Política monetária e a armadilha da liquidez posta a nu – parte II
Por André Galhardo Fernandes, economista-chefe da Análise Econômica
Nossa análise anterior abordou o problema da tentativa do governo em estimular a economia por meio da política monetária expansionista (1). Focamos nos dados divulgados pelo Banco central sobre a política monetária e creditícia. Desta vez vamos olhar para alguns indicadores de lojas de varejo e outros dados complementares.
Estes breves trabalhos não têm o propósito de criticar ou enaltecer a política monetária expansionista. A intenção é criticar a tentativa de estímulo monetário num país onde
- a confiança foi pelo ralo,
- a incerteza está no meio da sala e
- a taxa de desemprego é maior que as taxas de países como
- Irã (11,9%),
- Argélia (11,7%),
- Quênia (11%),
- Itália (10,9%),
- Colômbia (10,8%),
- França (8,9%),
- Afeganistão (8,5%), e por aí vai.
Política monetária expansionista
Quando a taxa de desemprego é muito maior que a taxa estrutural, uma política monetária expansionista pode ser bastante conveniente. Isso se dá, uma vez que dado o hiato do produto, a mesma pode acontecer sem trazer maiores consequências inflacionárias.
A política monetária significa, portanto, um caminho mais curto até a retomada da economia. O problema é que no Brasil esta é uma ferramenta que tem de tudo para não funcionar. Pelo menos não agora.
Enquanto a taxa de juro básico não para de cair – já foram doze cortes consecutivos – os spreads bancários insistem em permanecer elevados. Ou seja, a intenção do governo de estimular a economia via crédito/consumo diverge da intenção do setor financeiro brasileiro.
Além disso, as lojas de eletrodomésticos no Brasil fazem o uso da mesma agenda. Mesmo que haja queda no nível de consumo e na inadimplência, as taxas de juros não caem ou caem de forma marginal.
A armadilha da liquidez na prática
Segundo a ANEFAC a taxa de juro anual no crédito para pessoa física aumentou de 60,1% em 2013 para 88,83% em fevereiro de 2018. Por sua vez, a taxa de juro do crédito rotativo do cartão de crédito saltou de 192,94% para 318,5% no mesmo período.
Quando avaliamos somente o comércio, divido em três categorias: grande, médias e pequenas redes. Nota-se o aumento de taxa de juro anual mesmo na passagem de janeiro de 2018 para fevereiro de 2018.
Enquanto nas grandes redes houve aumento da taxa anual de 38,16% para 39,13%, nas médias e pequenas o aumento foi de 94,05% para 95,15% e de 115,56% para 117,02% respectivamente.
Entre doze setores analisados pela ANEFAC, apenas um mostrou variação negativa no juro de janeiro para fevereiro: o financiamento de veículos. O percentual partiu de 26,68% para 26,38%. Nada mal se compararmos com a mesma taxa nos Estados Unidos (20,4% ao ano) para carros novos financiados em 60 meses.
O comportamento das taxas nos dois primeiros meses de 2018 nos demais setores, pode ser visto na tabela da ANEFAC abaixo.
Considerações gerais
Como já foi dito, o crime não é o uso da política monetária expansionista. Esse movimento era amplamente aguardado pelo governo e pela população como um todo. No entanto, esperar que essa seja a ferramenta mais adequada para tirar o país do buraco é uma sandice.
De modo geral, não devemos esperar um estímulo da atividade econômica à altura do que se esperaria diante de um corte de quase 8% na taxa básica de juros.
O processo letárgico de retomada da economia brasileira requer uma ampla reforma estrutural que o governo não tem dinheiro para conduzir. A iniciativa privada, que poderia ser a catalisadora deste processo, está presa, sem interesse ou sem coragem de fazê-la.
Tempos difíceis…
Notas
(1) O termo expansionista está em itálico porque a queda da Selic nas últimas doze reuniões do Copom não trouxe diminuição sensível da taxa real de juro. Isso aconteceu principalmente por conta da queda da inflação pari passu ao ritmo dos cortes na taxa básica de juro.
—
Dúvidas, críticas ou sugestões? Deixe um comentário abaixo ou fale conosco.
Dúvidas sobre algum conceito econômico? Consulte nosso dicionário.