Por Franklin Lacerda, diretor de Estudos Econômicos
A venda da divisão de aviões comerciais (de até 150 passageiros) da Embraer para a empresa estadunidense Boeing (veja mais detalhes aqui) trouxe à tona a discussão sobre as empresas estatais.
Na mesma semana, dando a tônica do debate, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, publicou um estudo sobre as chamadas “estatais dependentes”. Tratam-se de empresas controlados pelo Estado que demandam grandes quantidade de recursos públicos para conduzir suas operações.
Ainda nessa temática, entre eleição, sai eleição e continua no debate a questão da privatização de empresas estatais brasileiras.
Afinal, o Estado precisa ter empresas? Não é melhor deixar tudo na mão da iniciativa privada?
A fim de lançar luz a esse debate, vamos organizar as ideias sobre as empresas estatais.
Quais e quantas são as empresas estatais brasileiras?
Para início de conversa, uma empresa estatal nada mais é do que um CNPJ controlado totalmente ou parcialmente pelo Estado. Elas pertencem ao governo. Isso inclui os governos federais, estaduais, municipais ou qualquer tipo de combinação entre eles.
Elas podem ainda ser de dois tipos:
- Sociedade de economia mista: quando a maior parte do capital da empresa pertence ao Estado. Dessa forma, a menor parcela das ações pode pertencer a pessoas físicas;
- Empresa pública: quando a empresa é exclusivamente administrada pelo governo. Isso significa que 100% do capital de investimento veio de dinheiro público.
No Brasil temos diversas empresas estatais atuando nos mais diversos setores. A mais conhecida delas, sem dúvidas, é a Petrobras. Mas temos 144 empresas estatais somente na esfera federal.
Há uma lista extensa no Wikipedia – clique aqui e saiba quais são. O Ministério do Planejamento publica trimestralmente um boletim sobre a situação das estatais federais. Clique aqui e saiba mais.
O fenômeno, importa destacar, não é restrito ao Brasil. A título de exemplo, quatro das dez maiores empresas de capital aberto do mundo são estatais. Além disso, as dez maiores do setor de gás e petróleo também são.
Qual o papel das empresas estatais brasileiras?
As empresas estatais desempenharam um importante papel na evolução da economia brasileira, especialmente no pós-Segunda Guerra Mundial.
Essas empresas emergiram, quase sempre de forma pragmática, no bojo de diversos ciclos de expansão. O seu papel tradicionalmente foi de complementar a produção de bens e serviços em setores intensivos de tecnologia, ou de baixa rentabilidade privada no médio prazo, ou com grande margem de risco para os volumosos investimentos.
Essa produção se tornou indispensável para a continuidade do processo de acumulação de capital, por causa de dificuldades de importação em situações de crise no balanço de pagamentos.
Via de regra, portanto, elas atuam em setores onde a iniciativa privada não atua. Mas não é tão simplório assim. Uma vez que as empresas buscam lucros, é comum que empresários não atuem em setores com elevado grau de incerteza. Aí as estatais possuem um papel fundamental.
Setor Público x Setor Privado
É importante, contudo, desfazer a dicotomia “setor público x setor privado” que caiu no senso comum.
Muitas pessoas não gostam da ideia de empresas estatais porque acreditam que elas podem ser tendenciosas à corrupção e a má administração.
Vamos supor que um político controla uma empresa estatal de gás. Ele precisa construir um novo prédio e recebe o dinheiro vindo dos nossos impostos, cidadãos brasileiros, para a realização das obras.
Ao contratar uma empresa de engenharia para a empreitada, esse político pode fazer uma licitação indicando que a obra é mais cara do que de fato seria. Ele tomaria essa atitude juntamente com a contratada com o objetivo de ficar com uma parte desse investimento, enriquecendo às custas do povo. Nós vimos isso acontecer de forma recorrente nos últimos anos.
Mas o setor privado não está isento desses problemas. Apesar de ser um argumento frágil para alguns, mas um caso de corrupção envolve necessariamente um agente público e um agente privado.
Assim sendo, o principal problema não está na empresa estatal, mas no ambiente institucional, na governança, na transparência.
Ecossistemas de inovação
Um ecossistema é um termo emprestado da biologia. É o conjunto dos organismos vivos e seus ambientes físicos e químicos.
Um ecossistema de inovação, por sua vez, é um conjunto de empresas, universidades, institutos de pesquisa, organizações governamentais e privadas que, juntas, criam um ambiente propício à inovação e ao desenvolvimento econômico. Veja mais detalhes aqui.
Estudo publicado em 2011 pela economista italiana Mariana Mazzucato evidenciou o papel fundamental das empresas estatais nos ecossistemas de inovação. A sua importância se dá pelo fato de a inovação ser o motor do crescimento econômico que, por sua vez, leva ao desenvolvimento.
As empresas buscam incansavelmente diferenciais competitivos. Nessa busca por diferenciação da concorrência, elas combinam de formas totalmente novas seus recursos, gerando, assim, inovações.
Essas inovações criam novos produtos, novos mercados, geram renda e levam ao desenvolvimento. Mas inovar é um processo permeado por riscos e sem garantias de sucesso. Portanto, um ecossistema de inovação dá alguma segurança para que empresas não joguem dinheiro e demais recursos na lata do lixo.
E as empresas estatais na economia brasileira?
As empresas estatais são canais de inovação, hubs que conectam as diversas instituições que compõem o ecossistema. E, nesse quesito, não se trata somente de substituir a ação do setor privado, mas de, em grande medida, conduzir a economia para a direção do desenvolvimento.
Claro, para isso, espera-se que haja algum consenso sobre qual o desenvolvimento se almeja. Não havendo consenso (leia-se um projeto de desenvolvimento ou um plano a ser seguido), a economia segue sem direção.
O caso da Embraer é emblemático. A Embraer foi criada oficialmente no dia 19 de agosto de 1969, com o apoio do governo federal. Vinculada ao Ministério da Aeronáutica, a Embraer foi fundada como uma sociedade de economia mista, sob o controle da União, que possuía 51% das ações. Com sede em São José dos Campos, onde também está o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a maior parte do primeiro quadro de funcionários da empresa era oriunda da instituição.
A empresa foi privatizada no dia 7 de dezembro de 1994, durante o governo do presidente Itamar Franco. Mas deixou um legado importante. O Estado entrou em ação, induziu o desenvolvimento e “saiu” do jogo deixando como herança a 3ª maior exportadora do Brasil, líder mundial no seu segmento.
É importante falar sobre privatização? Sim, mas mais importante ainda, apesar de clichê, é falar sobre o futuro que queremos e abrir mão do discurso superficial que demonizam as empresas estatais e as colocam como antagonistas do setor privado.
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