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Inflação e política monetária: contextos importam

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É comum que se façam paralelos entre momentos distintos da nossa história econômica. Um exemplo recorrente é a comparação entre os anos de 2015–2017 e o cenário atual, especialmente no que diz respeito à política monetária e à trajetória da inflação. No entanto, é importante ressaltar que os contextos são profundamente diferentes — tanto do ponto de vista econômico quanto político.

Em 2015, a taxa Selic foi elevada a 14,25%. Dois anos depois, em 2017, a inflação fechou o ano em 2,95%. À primeira vista, parece um caso clássico de política monetária bem-sucedida. Contudo, esse diagnóstico ignora aspectos estruturais relevantes da época. 

Naquele período, o Brasil enfrentava uma das piores crises econômicas de sua história recente. O varejo, por exemplo, contraiu cerca de 9% apenas em 2016. Além disso, havia um elevado nível de incerteza política, o que impactou fortemente os investimentos. Era um ambiente adverso, com forte retração na atividade e choques de confiança.

Hoje, apesar de também estarmos observando inflação relativamente elevada, as condições que nos cercam são substancialmente diferentes. Para que se repita uma convergência tão acentuada da inflação como aquela observada em 2017, seria necessária uma desaceleração muito intensa da atividade econômica — algo que, até o momento, não parece se materializar.

Vale lembrar que, após a pandemia, muitos atribuíram à elevação das taxas de juros pelo Banco Central a queda da inflação. De fato, o Brasil foi um dos primeiros países a iniciar o ciclo de alta de juros, o que certamente contribuiu para o processo. 

No entanto, a inflação caiu em várias economias, inclusive naquelas que demoraram mais a ajustar suas taxas. Isso sugere que a normalização dos preços esteve fortemente ligada à recomposição das cadeias de produção globais, mais do que aos efeitos diretos e indiretos da política monetária.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao período de 2015–2016. Houve uma normalização significativa dos preços administrados — como combustíveis e energia elétrica — que haviam sido represados em 2014. O ajuste dos preços administrados combinado com a resolução da crise hídrica foi um dos principais vetores de descompressão inflacionária. Em outras palavras, fatores estruturais e conjunturais tiveram papel tão ou mais importante quanto a política monetária.

Isso não significa que a política monetária seja ineficaz — longe disso. Ela é uma ferramenta essencial para ancorar expectativas e atuar sobre os ciclos econômicos. No entanto, é natural que ex-diretores, formuladores de política monetária e parte do mercado financeiro atribuam maior peso a essa ferramenta do que a outros elementos do cenário econômico.

Neste contexto, também é importante contextualizar a inflação brasileira dentro do cenário global. A inflação tem convergido para níveis mais baixos em diversas economias, impulsionada por uma combinação de desaceleração global e realinhamento das cadeias produtivas. A economia americana vem perdendo fôlego, a China cresce em ritmo mais lento e a Europa segue estagnada. Todos esses fatores compõem o pano de fundo para a dinâmica de preços no Brasil.

Portanto, ainda que a trajetória de desinflação no Brasil possa se prolongar, é fundamental interpretar os sinais com cautela e reconhecer que esse processo depende de uma série de vetores — muitos deles além do alcance da política monetária convencional. 

Por sua vez, é pouco crível que a atual elevação da Selic, por si só, seja suficiente para levar a inflação a níveis tão ambiciosos quanto os estipulados pelas metas. Afinal, o Brasil de hoje está longe de repetir o cenário extremamente problemático de 2015–2016; é, antes, a expressão de suas recorrentes complexidades estruturais.

A ver.

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