Por André Galhardo e Franklin Lacerda para O Financista.
Existe um amplo debate há décadas sobre qual o papel do Banco Central diante de um cenário recessivo combinado com inflação elevada. Esse debate foi reaceso no Brasil, especialmente devido ao nível geral de preços registrado nos últimos anos.
Em primeiro lugar, temos que ter claro que as atribuições conferidas ao Banco Central do Brasil pela Lei nº 4595 de 31 de dezembro de 1964, perdem ou, na realidade, ganham elementos diante da conjuntura formada pelo ajuste recessivo mal conduzido e mal aplicado pelas mais variadas esferas do governo. Ademais, uma política monetária restritiva balizada pelo aumento da taxa básica de juros prejudica sobremaneira a situação fiscal brasileira.
Em segundo lugar, não basta olhar a economia pela ótica ortodoxa. Em um ambiente global onde existem taxas básicas de juros nominais negativas e incansáveis debates sobre a retomada do crescimento, as interpretações acerca da conjuntura econômica precisam de novos olhares.
O ambiente político e econômico para o Brasil e para a maioria dos países de vulto econômico requer uma análise mais atenta e execução mais acurada dos planos que se deseja traçar e realizar no médio e longo prazo.
Considerando a instabilidade instaurada no cenário político brasileiro, no dia 20 de janeiro de 2016, o Banco Central declarou a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) sobre a taxa básica de juros.
O mercado pareceu se surpreender com a decisão do Copom em manter a taxa básica de juros em 14,25% ao ano, uma vez que a meta de inflação estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) não fora cumprida em 2015. Falou-se que o Banco Central havia jogado a toalha no que tange o combate à inflação.
Contudo, conforme carta assinada pelo presidente do Bacen e endereçada ao Ministério da Fazenda, o Banco Central (que cumpria o que fora estabelecido no Decreto nº 3088 de 1999) sinalizou de maneira ampla e clara os determinantes do fracasso do atingimento da meta de inflação para o ano de 2015 e em nenhum momento apontou que a taxa básica de juros seria o instrumento mais adequado para realizar o controle da inflação em 2016.
A elevação vigorosa dos preços em 2015, que fechou o ano em 10,67% medido pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), foi construída basicamente pelo realinhamento de preços administrados, outrora represados para o cumprimento da meta em anos anteriores. Além disso, também houve o impacto de forte desvalorização cambial vista em momentos distintos do ano passado. Ambos elementos, majoritários na variação de preços de 2015, não poderiam ser mitigados pelo uso da Selic.
Nosso entendimento é de que esse panorama parece ser sobre o qual tratou o Copom nas suas duas decisões de 2016. Nesse sentido, é importante ressaltar que alguns elementos se destacam por conta da elevação da Selic vista em 2015, como os gastos de mais de R$ 500 bilhões em juros da dívida pública que registrou valor 61,2% superior que no ano de 2014. Somados os gastos líquidos com operações de swaps cambiais, o valor ultrapassa os R$ 600 bilhões.
Em suma, o desgaste político e os efeitos do ajuste recessivo fizeram a economia encolher pari passu com a diminuição da arrecadação. Neste contexto, o Banco Central entrou num quadro de dominância fiscal onde uma elevação da taxa básica de juros não tem nenhum outro efeito além de degradar a situação fiscal.
O IPC (medido pela Fipe) e o IPCA (medido pelo IBGE) apontam para uma desaceleração da inflação. Não poderia ser diferente considerando que o aumento da taxa de desocupação e a consequente diminuição da massa salarial estão exercendo efeito superior aos verificados pelo quadro de conflito distributivo.
Além disso, colaborará para o declínio da variação de preços neste ano a valorização recente do real ante o dólar, a menor variação dos preços administrados e outras condições como, por exemplo, a situação climática, que permitirá diminuição dos preços de energia, cujo peso nos índices de preços é substancial.
O Banco Central tem mostrado que independência e/ou autonomia não são manchadas quando não são atendidos os desejos do mercado. Mostrou também que manter a taxa básica de juros no atual patamar (que, é importante ressaltar, não é baixo), não é jogar a toalha diante do controle da inflação, mas, como diria Keynes, entender que podem haver muitos percalços entre a taça e os lábios.
Ademais, o BC que antes se via pressionado para não aumentar a taxa básica de juros mesmo diante de uma inflação resiliente, agora se vê do outro lado da mesa. Com a queda do atual patamar inflacionário, a taxa de juro real tende a ganhar de 3% a 4% neste ano com relação ao ano passado.
Tudo isso, importante destacar mais uma vez, num ambiente em que as taxas de juros nominais negativas se tornaram ferramentas indispensáveis para alguns países desenvolvidos.
O mais proeminente a lançar mão deste recurso foi o Japão, que adotou essa política no início do ano e manteve o posicionamento na última reunião no dia 14 de março. Complementarmente, o BCE (Banco Central Europeu) aumentou os estímulos monetários em 33% ao mês após baixar a taxa básica de juros para 0% ao ano. Isso sem falar nas mais de seis dezenas de países que contam hoje com taxas de juros básicas reais negativas.
O resultado de tudo isso, em nosso entendimento, será de que o BC, antes acusado de não cumprir com uma das suas principais prerrogativas (o controle do nível de preços) em breve poderá ser acusado de retardar a retomada do crescimento econômico.
A principal causa apontada será por manter a taxa básica de juros substancialmente mais elevada impedindo que a eficiência marginal do capital atinja patamares que permitam a retomada dos investimentos e, por conseguinte, do crescimento econômico. Desse modo, terá que alterar para baixo a taxa Selic, à revelia dos membros do Copom.
A pressão política está aí e se outrora serviu para persuadir os membros do Copom em não piorar a situação fiscal do país, pode muito bem agora antecipar a rodada de normalização da política monetária brasileira.
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