Em artigo recente, o ex-presidente do Banco Central (1997–1999), Gustavo Franco, afirmou estar contando os minutos para que o atual governo perca as eleições. Não há muito a acrescentar à sua indignação, a alternância de poder é parte fundamental da democracia e, após as revelações trazidas pelas investigações recentes, é inevitável reconhecer o quão perto o país esteve do abismo.
Mas, deixando de lado a dimensão político-institucional, o principal incômodo manifestado por Franco diz respeito à condução da política fiscal. Segundo ele, o atual governo tem apenas postergado o enfrentamento do desequilíbrio fiscal, empurrando o problema para os próximos anos e se eximindo de propor reformas que alterem de forma permanente a dinâmica dos gastos públicos.
E é justamente aí que começam os verdadeiros impasses. É inegável que o governo enfrenta dificuldades para comunicar, com clareza, seu compromisso com a disciplina fiscal. No entanto, também é preciso reconhecer que parte relevante das tentativas de contenção da trajetória de gastos e da dívida pública esbarra diretamente na resistência do Congresso Nacional.
O entrave à eliminação da desoneração da folha — instituída ainda no primeiro governo Dilma —, a manutenção do Perse, a relutância em disciplinar as emendas parlamentares sob as regras do novo arcabouço fiscal e o lobby por novos subsídios a serem incorporados na reforma tributária são apenas alguns exemplos da dificuldade política de promover cortes de caráter estrutural.
Quando o atual ministro da Fazenda, aventou a possibilidade de revisar os pisos constitucionais ou alterar a fórmula de indexação do salário mínimo para aposentadorias e pensões, a reação do meio político foi imediata e negativa.
Ainda assim, mesmo que haja uma mudança de governo em 2026, com um comando mais “ortodoxo” e disposto a conter o avanço da despesa pública de forma estrutural, não há qualquer garantia de que os problemas fiscais e orçamentários do país serão solucionados. A experiência recente oferece sinais claros disso.
O único superávit primário registrado pelo Governo Central desde o déficit fiscal de 2014 — ajustado pelas “pedaladas fiscais” daquele período — ocorreu em 2022, impulsionado não por reformas ou cortes de gastos, mas por fatores conjunturais: a retomada econômica pós-pandemia, forte inflação e consequente aumento da arrecadação a partir de impostos ad valorem.
De maneira geral, embora o Teto de Gastos (EC 95/2016) tenha tido o mérito de impor um limite à expansão dos gastos, foi incapaz de produzir superávits primários sustentáveis. Mais do que isso, tornou-se uma regra disfuncional para um país com graves déficits em infraestrutura, envelhecimento populacional acelerado e baixa renda per capita, o que pressiona de forma contínua a demanda por serviços públicos essenciais.
A prova cabal da fragilidade da âncora fiscal anterior foi dada no segundo semestre de 2022, quando o governo da época decretou Estado de Emergência (EC 123/2022), abrindo espaço fiscal fora das regras vigentes. Isso veio após uma série de manobras contábeis que esvaziaram a credibilidade do arcabouço anterior, como o adiamento do pagamento de precatórios e a classificação de despesas permanentes (como o Bolsa Família) como extraordinárias, fora do escopo da regra fiscal.
Este não é um texto de defesa ao atual governo. Já na abertura desta coluna, deixei claro que há uma evidente dificuldade, por parte do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento, em transmitir uma imagem convincente de comprometimento com o equilíbrio fiscal.
Meu objetivo é, antes, registrar que governos com orientação política distinta da atual tampouco garantem um equilíbrio fiscal permanente. Basta olhar para o que foi feito entre 2016 e 2019, e novamente em 2022. O problema não está apenas na retórica, mas na incapacidade estrutural de construir consensos mínimos em torno de reformas impopulares, porém indispensáveis.
Chama atenção, por fim, a disposição de Gustavo Franco em relativizar inclusive os resultados fiscais positivos obtidos durante os dois mandatos do presidente Lula. Ao afirmar que os superávits primários daqueles oito anos seriam, na verdade, consequência de ajustes herdados do governo anterior, Franco acaba por adotar uma leitura seletiva dos fatos. Trata-se de uma afirmação difícil de sustentar à luz dos dados, que mostram não apenas continuidade, mas consolidação de resultados fiscais expressivos ao longo daquele período.
Esse tipo de argumento, mais ideológico do que técnico, enfraquece o debate e levanta dúvidas sobre o que, de fato, está motivando sua crítica. Afinal, a responsabilidade fiscal, tão cara ao ex-presidente do BC, deveria estar acima das preferências partidárias.