De repente, inúmeros políticos da esfera federal de poder, mostram-se extremamente preocupados com o nível de investimento público no Brasil.
Bom, talvez isso seja reflexo de termos atingido em 2017 o menor nível de investimento público em muitas décadas. Talvez isso também seja a reverberação daquela situação em que estão metidas as contas públicas brasileiras. Os gastos constitucionais consomem quase todo o recurso disponível e acaba por não sobrar outra alternativa ao governo se não a contração de gastos discricionários.
Há um pouco de verdade em tudo isso.
Com um pouco de ingenuidade é possível imaginar que os políticos querem garantir a reforma da previdência, imaginando que o dinheiro “economizado” no longo prazo sirva para obras em infraestrutura que, por sua vez, ajudarão na diminuição do custo Brasil.
Também somos capazes de imaginar que o senso de urgência e importância tenham surgido no imaginária político em função do aumento do comprometimento das receitas primárias com os gastos constitucionais. Chegou a hora de deixar o orçamento mais transigente e com maior poder de ação aos problemas de curto e longo prazo.
No limite, somos capazes de encontrar verdade até no discurso daqueles que de forma deliberada se mostraram contra o país e contra o povo. Quando se fala em déficit primário, é possível encontrar verdades até na boca de quem quer estancar a sangria, de quem quer acabar com a Lava Jato ou daqueles inúmeros que estabeleceram relações mais que promíscuas com grandes empresas em troca de dinheiro para as eleições e outros favores.
Mas afinal, o que aconteceu com os políticos que se mostravam completamente indiferentes ao déficit estrutural brasileiro? Por que homens que, antes, aparentemente não estavam “nem aí para a hora do Brasil”, mas agora se mostram extremamente comprometidos com a gestão fiscal?
É possível elencar inúmeros fatores para explicar essa mudança no comprometimento, entre as quais, as que exigem maior esforço do nosso lado ingênuo já foram descritas. Vamos trabalhar agora com hipóteses que soam mais realistas.
1) A Emenda Constitucional nº 95 que congela os gastos públicos pode estar começando a mostrar um dos seus problemas secundários.
A ideia deste texto não é a de resgatar as críticas e elogios ao congelamento dos gastos púbicos, mas olharmos atentamente para essa questão: o limite de gastos do governo criaria, na melhor das hipóteses, um maior controle dos gastos e, no limite, poderíamos imaginar que se “compraria” muito mais, por menos, dando a eficiência que desejamos quando o assunto é gasto do dinheiro público.
Existem inúmeras benesses quando se analisa a potencialidade da PEC 95, mas ao olharmos de perto, o orçamento é, entre tantas outras coisas, uma disputa de poder entre membros de cada poder (executivo, judiciário e legislativo) e, claro, entre estes três poderes. Revogar a votação da reforma da previdência é revogar a capacidade de “captação” dos recursos públicos no momento em que o orçamento é discutido.
Quanto maior for a fatia de gastos constitucionais, menor o montante de recursos públicos à serem fatiados entre os três poderes e entre os membros de cada um desses poderes. Ou seja, se a reforma da previdência se mostra importante em vários aspectos, é bem provável que a preocupação política seja, no fundo, outra.
2) Reforma trabalhista
A reforma trabalhista, também chamada de modernização da CLT, é potencialmente perigosa neste interregno de adaptação às novas regras do congelamento de gastos do governo.
Primeiramente avaliemos o curto prazo: algumas empresas de grande porte estão demitindo trabalhadores por estarem enquadrados na modalidade antiga do regime CLT. No lugar destes demitidos, entram trabalhadores que agora têm seus contratos de trabalho disciplinado pelas novas regras.
O aumento das demissões pode gerar algum desequilíbrio nas contas do governo. Relatório de outubro do Tesouro Nacional evidencia sensível aumento dos gastos com seguro desemprego +12,4% em relação a outubro de 2016.
A menor remuneração, por sua vez, tende a diminuir o potencial de arrecadação de tributos importantes como o ICMS e o ISS, por exemplo, cuja regressividade coloca como principal contributo a classe mais baixa da sociedade.
Assim sendo…
Diante destes dois macroproblemas podemos começar a descortinar alguns dos reais motivos de uma mudança tão significativa de postura dos nossos políticos – que mostraram, em 2017, um comprometimento com a gestão fiscal que não era visto há décadas.
Tentar entender a motivação política por detrás de uma votação tão importante e simbólica não é renegar a importância de algumas destas ações. É, na verdade, tentar fugir das armadilhas do passado, quando e onde se discutiam problemas cuja magnitude e potencialidade eram desconhecidos da população – mas também dos políticos.
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