Visão Geral
É final de 2018 e a população aguarda ansiosamente a grande virada rumo ao crescimento econômico. Jair Bolsonaro não foi eleito apenas pelo discurso de mudança política. A crise que acometeu o país a partir do final de 2014 e dura até os dias atuais doeu no bolso do trabalhador, que agora espera uma mudança repentina e o reencontro com a felicidade.
O país tem encontrado alguma acomodação em meio à crise. Em 2017, o percentual de crescimento da economia brasileira foi de 1%. Espera-se que em 2018 o resultado seja marginalmente maior. No entanto, dada a composição do tecido produtivo nacional – mais de 70% do valor adicionado na economia vem do setor de serviços – parte das recolocações no mercado de trabalho têm sido em setores cuja capacidade de geração de renda e produto é bastante reduzida.
Devemos atentar ainda que os parcos crescimentos de 2017 e 2018 foram condicionados, em parte, pelo desempenho dos setores exportadores brasileiros. Dentre eles, destacam-se o setor agropecuário e a indústria extrativa mineral. Essa “dependência” do setor externo será um desafio ao próximo governo.
Assim sendo, a crise é multifacetada, com elementos políticos, sociais e econômicos. No que diz respeito ao econômico, devemos, portanto, analisar seus principais componentes para entender o que nos espera para os próximos anos.
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Setor Primário
A dificuldade na qual o Brasil estará inserido a partir de 2019 está ligada à reverberação de uma iminente crise que pode vir dos Estados Unidos. Na terra do Tio Sam, os principais índices das bolsas de valores encontram-se em suas máximas históricas. Esse movimento evidencia uma possível bolha, condicionada pelo excesso do uso da política de quantitative easing e do difícil processo de recomposição das condições pré-crise de 2008.
A guerra comercial entre Estados Unidos e China, o desentendimento da Comissão Europeia diante da apresentação do orçamento italiano para 2019, o desgaste político vindo do Brexit no Reino Unido e as crises do balanço de pagamentos nos emergentes, especialmente Argentina e Turquia, têm aumentado o clima de incerteza e isso tem impactado os preços das principais commodities.
O que entra no radar a partir de agora é o que pode desencadear um problema muito mais sério para a economia mundial: a compressão dos lucros corporativos. As empresas globais, principalmente as chinesas, podem se ver obrigadas a diminuir suas margens de lucro para compensar a sobretaxação imposta pelos Estados Unidos – movimento ligado à Guerra Comercial.
Essa diminuição de preços pode desencadear a diminuição da poupança interna chinesa, componente tão caro à segunda maior economia global. Além disso, pode comprimir os lucros de outras grandes companhias. A porta de crescimento via setor externo, portanto, começa a se fechar e o Brasil é um dos países que mais pode ser impactado pela diminuição dos valores ou pelo volume de negócios internacionais.
Ainda assim, é possível que o setor externo traga oportunidades, como as vistas pela expansão das exportações para a China este ano. Entretanto, a própria perspectiva de uma desaceleração chinesa pode colocar em risco esse canal e minguar as exportações de commodities brasileiras para o gigante asiático.
Setor Secundário
A indústria brasileira vem sofrendo baque após baque há tempos. Numa análise de longo prazo, desde 1985 que a trajetória da participação da produção industrial no produto total vem caindo sistematicamente (leia mais aqui).
Entretanto, dentre os setores industriais, alguns se sobressaíram melhores que outros. A indústria extrativa (mais ligada ao setor primário que ao secundário, em alguma medida), por exemplo, tem registrado excelentes resultados. O ponto fundamental é a sustentabilidade desses resultados, já que eles estão intimamente ligados ao desempenho externo.
Outro setor que teve um bom desempenho, mas comeu “o pão que o diabo amassou” é o setor da construção civil. Boa parte dos empreendimentos da indústria de construção civil eram oriundos de obras públicas: infraestrutura e ou habitação (puxada pela MCMV). Com a crise que acometeu o país, o setor viu os recursos para investimentos secarem e entramos em uma espiral negativa.
A indústria de transformação, por sua vez, sobrevive aos trancos e barrancos. Alguns respiros foram possíveis, com as exportações de carros para o Oriente Médio, por exemplo. Entretanto, o cenário global também tem gerado um impacto bastante negativo. A Argentina, o principal destino para automóveis brasileiros, entrou em crise e colocou a indústria de transformação do nosso país em xeque.
Assim sendo, o resultado geral de todo esse movimento foi um elevado nível de capacidade ociosa. Em outras palavras, capital instalado existe, mas as perspectivas para a demanda minguaram. Aí, sem demanda, o industrial não investe e não produz. É mais barato ficar com a máquina desligada do que manter a máquina ligada pagando trabalhadores e custos de produção para manter as mercadorias em estoque.
Setor Terciário
O setor de serviços, por sua vez, registrou uma expansão fenomenal nesse início de século 21. O grande movimento de expansão se deu com o aumento da renda das famílias. Esse movimento estimulou serviços de baixa capacidade tecnológica, como cabeleireiros, restaurantes, lojas de vestuários etc. o que possibilitou um círculo virtuoso na economia brasileira de modo geral.
Essa expansão do setor de serviços, portanto, ampliou a renda da população, mas estava intimamente ligado à expansão do trabalho assalariado, especialmente dos setores industriais. Quando o emprego começou a reverter sua trajetória de alta, a renda começou a cair e os “empreendedores” começaram a enxergar sua demanda minguar.
Os preços foram subindo, a demanda caindo ainda mais até reverter a espiral positiva vista anteriormente para uma espiral negativa vista a partir do final de 2014. Desse modo, o setor de serviços não trouxe o dinamismo esperado – o que se enxerga em atividades com maior capacidade tecnológica. E as perspectivas seguem essa linha.
O aumento da informalidade nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, do IBGE, reforça esse cenário de um setor dominado por atividades de baixa capacidade tecnológica – mas agora em um contexto ainda pior, uma vez que são atividades sem o mínimo de segurança jurídica e previdenciária.
Estado
Política Monetária
O governo Temer parece ter presenciado o esgotamento da capacidade brasileira de relaxamento da política monetária. O Comitê de Política Monetária (Copom), levou a taxa básica de juros (Selic) ao menor nível nominal da história. Além disso diminuiu a taxa de depósitos compulsórios de 40% para 25%, tentando ampliar ainda mais a capacidade de empréstimos dos bancos.
O problema é que a política monetária se mostrou ineficaz para ativar variáveis reais (como dito aqui e aqui). Em outras palavras, juros baixos não estimularam investimentos, assim, o esforço de se alcançar patamares (nominais) históricos não foi suficiente para colocar o Brasil em rota de crescimento sustentado.
Além disso, o movimento da baixa da taxa de juros aqui no Brasil conflitou com o movimento da alta de taxa de juros dos Estados Unidos, que deve permanecer nos próximos meses, inviabilizando a tentativa de crescimento via relaxamento das condições monetárias internas.
Em resumo, a chamada ‘normalização’ da política monetária dos Estados Unidos, deve fazer com que o Brasil perca a autonomia sobre a política monetária interna, fazendo subir a taxa básica de juros em 2019, mesmo que a inflação esperada continue ancorada em torno do centro da meta.
Política Fiscal
Por outro lado, um dos aspectos mais significativos da trajetória recente das finanças públicas é o nível de endividamento, sobretudo pela queda da arrecadação. Com o arrefecimento da atividade econômica e o endividamento de empresas e famílias, o Estado viu suas receitas caírem fortemente, ao passo que os gastos mantiveram sua trajetória.
Isso colocou o Estado em trajetória de endividamento, registrando forte elevação da dívida pública, bem como sucessivos déficits fiscais. A consequência lógica dessa situação foi o esforço de reduzir os gastos, especialmente os gastos não-obrigatórios, dentre eles, os investimentos públicos.
O que vimos foi, portanto, a inabilidade do Estado prosseguir investindo para expandir a atividade econômica e, posteriormente, a opção de uma política econômica em que o Estado efetivamente não investe. Em suma, defende-se agora que o Estado estimule as empresas privadas a investirem, mas com a desalavancagem do setor privado, essa iniciativa também se torna inócua.
Considerações gerais
De modo geral, as perspectivas para os mercados emergentes são estáveis para 2019 no melhor dos cenários, apesar dos crescentes desafios relacionados ao crescimento global mais lento, ao aumento das taxas de juros nos países centrais, ao protecionismo comercial e às tensões geopolíticas.
Em termos mais amplos, as crescentes tensões comerciais entre os EUA e a China podem prejudicar o crescimento e o sentimento nos mercados emergentes. As tensões comerciais representam o maior risco para a perspectiva de crescimento dos países emergentes. Olhando especificamente para o Brasil, nossos desafios estão amplamente relacionados com a perspectiva de uma demanda que possa retomar investimentos.
Como o nível de desemprego ainda é elevado, as empresas continuam em um processo de desalavancagem, o Estado não possui mais recursos e o cenário externo segue conturbado, ao menos no horizonte previsível, não se espera grandes mudanças na economia brasileira para os próximos meses.
Ainda assim, a variável chave para mudar esse jogo são os investimentos – especialmente os produtivos. Muito tem se falado sobre os recursos vindos investimentos estrangeiros, sobretudo na bolsa de valores. Esses recursos não estão diretamente atrelados a expansão da atividade produtiva, ou a inovação e tecnologia. Desse modo, não podemos tomá-los como proxy para a retomada do crescimento.
Somente quando as empresas voltarem a investir e, como expressão desse investimentos, identificarmos a expansão da Formação Bruta de Capital Fixo e a queda da taxa de desocupação, aí sim poderemos dizer claramente que a economia brasileira retornou à trajetória de crescimento.
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