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O governo vai confiscar minha poupança?

Por Franklin Lacerda. Colaborou Márcio Durigan.

Há 25 anos, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente do Brasil. A equipe econômica era capitaneada pela Ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Na época o Brasil vivia uma situação econômica muito difícil, com inflação elevadíssima, alta taxa de desemprego e crescimento econômico pífio.

Não entraremos nessa publicação nos detalhes da situação econômica da época, mas é relevante observar que este cenário arrastava-se desde fins da década de 70, por diversas questões: crise do petróleo, elevação dos juros nos Estados Unidos, dívida externa brasileira muito alta, entre outros fatores estruturais.

Muitos governos desde então tentaram combater a chamada estagflação, que se trata de uma situação econômica em que determinada economia convive com baixo crescimento e altas taxas de inflação. O diagnóstico de diversos economistas era de que as altas taxas de inflação decorriam da chamada “inflação inercial”.

Evolução do Índice de Inflação. Em 1990, a inflação medida pelo IPCA alcançou incríveis 1972% ao ano.

Em outras palavras, os economistas acreditavam que a causa do processo inflacionário era a própria inflação: os preços no presente eram ajustados de acordo com o aumento de preços do passado. Em decorrência deste diagnóstico, as medidas tomadas ao longo da década de 80 e os primeiros anos da década de 90 foram as mesmas, com o congelamento de preços e salários, aumento de juros, corte de gastos do governo. Pior, tudo isso sem sucesso.

Então, quando Collor e sua trupe chegaram ao poder com este cenário desenhado, concluíram que, se somente o congelamento de preços e salários não deu conta da inflação, a solução seria reduzir a liquidez da economia para que todos consumissem menos. Simplificando, o diagnóstico era de que a inflação deveria ser contida com a limitação brusca de recursos (dinheiro) em circulação na economia, com o corte de gastos do governo e dos poupadores.

A ação tomada (e que marca negativamente a história do Brasil até hoje) foi o “confisco” das poupanças, contas correntes e outros ativos financeiros. De imediato, a inflação caiu bastante. No ano seguinte, em 1991, a inflação medida pelo IPCA foi de 472,70% ao ano. Mas mostrou-se uma medida de efeito temporário, pois em 1993 esse índice alcançou o cume estelar de 2.477,15% ao ano.

Toda a história contada até aqui ilustra duas coisas: 1) um diagnóstico errado leva à tomada de ações igualmente erradas; 2) situações desesperadas pedem medidas desesperadas, embora isso nem sempre necessariamente traga os resultados almejados. O governo confiscou a poupança de todos os brasileiros por causa de um cenário que se agravava ano após ano, e isso marcou nossa história. Mais que isso, marcou nos brasileiros uma mancha indelével, uma verdadeira ferida histórica.

De todo modo, desde a semana passada está correndo na rede mensagem sobre o confisco, alarmando a população sobre um novo “congelamento” das contas de poupança. Primeiramente, é importantíssimo dizer que são apenas boatos. Não há cenário político para esse confisco ou congelamento das poupanças (vide mensagem divulgada pelo Ministério da Fazenda).

Lembre que na época em que Collor assumiu a presidência ele possuía um alto grau de confiança do povo. Tanto que mesmo com a medida estapafúrdia do confisco, o presidente e sua equipe conseguiram se manter estáveis na condução da economia do Pais, por mais estúpidas que fossem as atitudes do governo.

Hoje, a presidente Dilma está com abissais 23% de aprovação junto à população, um cenário em que nada ajuda na implantação de medidas tão impactantes. Provavelmente esses boatos estão se espalhando por causa do pessimismo que paira nos brasileiros em relação ao futuro da economia brasileira.

Fazenda desmente boatos que se espalharam na rede.

Esse pessimismo se instala dado o cenário econômico instaurado não somente no Brasil, como também no resto do mundo (especialmente na Europa), com previsões de baixo crescimento econômico. No ambiente caseiro, ainda temos o agravante de um cenário político bastante instável, inchado pelos casos de corrupção divulgados diariamente aos quatro ventos, as derrotas frequentes sofridas pelo governo na câmara, debandada das bases aliadas exigindo ainda mais benesses e a consolidação do fisiologismo, além das ações divulgadas pelo Ministério da Fazenda, pouco compreendidas pela população em geral.

Resumindo,  o Brasil está vivendo um cenário econômico realmente complicado por conta de ações erradas tomadas especialmente nos últimos quatro anos, como a elevação dos gastos públicos, políticas industriais de eficácia duvidosa, ações de incentivo ao consumo prologadas por tempo muito maior que o necessário, excesso de interferência estatal ao “congelar” e até subsidiar preços da gasolina, do transporte público, energia etc.

Dado este cenário, hoje há a necessidade de ajustar as contas e isso está assustando muita gente. Economistas mais ortodoxos acreditam que as medidas defendidas pela equipe econômica do governo são positivas e vão retomar a confiança do empresariado (leia mais aqui). Em contrapartida, economistas heterodoxos defendem que essas mesmas medidas levarão a um cenário de recessão, gerando desemprego e queda do nível de renda da população (veja aqui).

Na verdade, a proliferação desses boatos e do pessimismo presente no Brasil deixa evidente que o governo precisa ser mais transparente e mais claro com a população, tanto no diagnóstico que tem sido feito, quanto nas ações que serão tomadas, com os possíveis desdobramentos. Só desta forma a confiança será resgatada, e o ambiente de terror e boataria seja erradicado da alma do brasileiro.

Fontes:
As origens e a gênese do Plano Collor – http://bit.ly/1CB3fhD
A economia brasileira em 1990: desempenho e perspectivas – http://bit.ly/17HEnNp
País teve vários planos econômicos para controlar a inflação; conheça – http://bit.ly/1DYMLEu
Nota à imprensa 13/02/2015 – http://bit.ly/1BhjQM3 
Governo nega boato sobre confisco da poupança – http://bit.ly/1yMyQKQ
Poupança não será confiscada, afirma ministério da fazenda – http://bit.ly/1MqYcIH
Não acredite nos boatos sobre confisco da poupança – http://bit.ly/19oxwcb
Existe a chance de novo confisco de bens no Brasil? – http://bit.ly/1DYHuN4
O Papel de Levy – http://bit.ly/17hYEbf
Em defesa do emprego e da renda – http://bit.ly/1yMRjHp

Créditos da imagem:
Confisco da poupança – http://bit.ly/1vzc7BR
Evolução da inflação – http://bit.ly/17HEnNp
Novo confisco da poupança anunciado – http://bit.ly/1yMHadG
Fazenda desmente boatos – http://bit.ly/1CB9aDl
Mudando o Brasil – http://bit.ly/1yMRjHp

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