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Uma relação maquiavélica

Por Franklin Lacerda, Márcio Durigan e Koiti Yatsunami.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um cientista político numa época em que a ciência política florescia. Filho de advogado, desempenhou diversos cargos públicos na época dos Médicis, na Itália.

A sua obra-prima foi “O Príncipe”, publicada em 1513, em que Maquiavel apresenta fundamentalmente maneiras de como conquistar e manter um principado. O livro influencia até hoje a maneira de como organizamos o Estado, além de ser um dos tratados políticos mais estudados entre os elaborados pelo pensamento humano.

Portrait_of_Niccolò_Machiavelli_by_Santi_di_Tito
Nicolau Maquiavel retratado por Santi di Tito.

De toda a obra, acompanhe essa citação:

“O desejo de conquistar é coisa verdadeiramente natural e ordinária, e os homens que podem fazê-lo serão sempre louvados e não censurados. Mas se não podem e querem fazê-lo de qualquer modo, é aí que estão em erro e são merecedores de censura.” (O Príncipe, MAQUIAVEL, 2010, cap. III)

Para acrescentar um pouco mais de conteúdo, observe mais duas citações de Maquiavel.

“(…) mesmo que disponhamos de fortíssimos exércitos, necessitamos sempre do favor dos habitantes para entrar em uma província.” (O Príncipe, MAQUIAVEL, 2010, cap. III)

“Os romanos, nas províncias que conquistaram, observaram boa política a respeito. Fizeram colônias, preservaram os menos poderosos sem aumentar a força destes, abateram os mais poderosos e não deixaram que os estrangeiros poderosos tomassem força.” (O Príncipe, MAQUIAVEL, 2010, cap. III)

Bem, isso foi dentro de um contexto histórico. A primeira citação refere-se à conquista de Nápoles (terceira comuna italiana mais populosa, após Roma e Milão) por Luis XII, rei da França. Para conquistar a região ele fez algo similar a uma aliança, com o rei da Espanha, para quem perdeu posteriormente o território conquistado.

Mas não foi só isso. Primeiro Luis XII conquistou Veneza com o auxílio dos próprios venezianos. Depois conquistou a Lombardia e outras regiões, que significavam quase dois terços do território italiano da época. O problema foi quando chegou à Milão, e buscou o auxílio do Papa Alexandre VI para ocupar a Romanha.

O Papa Alexandre VI, da família dos Borgia, era um homem ambicioso (para Maquiavel um ideal de político e governante pragmático). Quando a França inicia suas campanhas pela conquista dos reinos que posteriormente formaram a Itália, a aliança com o os Borgia foi importante, pois tratava-se de uma família muito poderosa devido o apoio da Igreja (que era elevado desde a idade média).

A soma de ambição (tanto de Luis XII, quanto do Papa), poder e força levou à consequência previsível: expulsão da França dos territórios conquistados.

Luís XII da França entra em Gênova.
Luís XII da França entra em Gênova.

Os erros da França de Luis XII foram, entre outros: 1) esqueceu que mesmo dispondo de exércitos e alianças, o “aval” dos habitantes é fundamental (e é engraçado notar que ele tinha o apoio dos venezianos, que o auxiliaram na conquista do território italiano), mas a gana pelo poder o cegou, levando ao próximo erro; 2) permitiu a entrada de estrangeiros poderosos e não levou em consideração a própria capacidade de manter o poder.

De lá para cá muita coisa mudou: os principados deram lugar às repúblicas, à democracia, a economia mudou, o capitalismo se consolidou, o mundo se expandiu e o povo ganhou mais voz.

Revoluções burguesas, capitaneadas pela Revolução Francesa de 1789, criaram um novo desenho de Estado, com a separação dos poderes, e a implantação e consolidação do capitalismo. Ora mais à direita, ora mais à esquerda, é o modelo econômico hegemônico no mundo contemporâneo.

Como foi dito no começo do artigo, desde antanho os homens se cercaram de uma mola-mestra para estabelecer suas metas: o poder. Esse mesmo poder que permeou ações que vão desde a legitimidade, até movimentos mesquinhos, ególatras, ações vistas em todas as eras da civilização humana.

Homens e a gana pelo poder.
Homens e a gana pelo poder.

Para não estender muito sobre isso, melhor dar um salto no tempo e chegarmos à tensão social que vivemos hoje no Brasil. Antes que esse artigo seja condenado como anacrônico, perceba que esses exemplos históricos permitem uma abordagem analógica aos acontecimentos atuais.

Contudo, vale lembrar que mais uma vez aparece entre flashes a velha dicotomia, reducionista em conteúdo, que fala que o Brasil assiste um embate entre as elites e o povo (tema a ser publicado em novo texto). Vamos à cronologia.
O PT iniciou sua disputa pelo Executivo brasileiro em 1989, quando o Brasil passou a ter eleições diretas para a presidência, após um obscuro período de ditadura. Depois de várias tentativas, em 2003 Lula tornou-se presidente da república. Optou pela continuidade das políticas do governo anterior, notadamente na área econômica, e ampliou as políticas sociais e de distribuição de renda.

De todo modo, assim como todo partido político, o PT buscou manter sua posição e, na medida do possível, ampliar seu poder. Para tanto, fez diversas alianças. Primeiro optou pelo varejo, se aproximando do PMDB, partido que desde a redemocratização nunca esteve fora do poder.

Sempre nas beiradas desse mesmo poder, nunca sob os holofotes. Tanto que só agora o partido fala em lançar candidato próprio à presidência, após as duas últimas derrotas acachapantes, nas tentativas de Ulysses Guimarães (1989, 4,43% dos votos) e Orestes Quércia (1994, 4,38% dos votos).

PT e PMDB se reconhecendo e se estranhando.
PT e PMDB se reconhecendo e se estranhando.

Na sanha de manter e até ampliar seu shogunato, o PT partiu para o atacado, e espalhou seu leque de alianças entre os partidos mais fisiologistas (embora o PMDB lidere o ranking do fisiologismo), os mais ególatras, os mais sedentos e esfomeados dentro do congresso.

Veja que pra isso teve de ampliar continentalmente seu número de ministérios, que pulou de 24 pastas no governo FHC para os 39 ministros da atual gestão de Dilma.

Aqui uma observação importante. Ingenuamente (ou propositadamente), há quem alegue que embora o número de ministérios tenha quase entrado em progressão geométrica, o custo estrutural de manutenção dessas pastas até caiu. Segundo o Ministério do Planejamento, o custeio do primeiro escalão federal em 1995, primeiro ano da gestão de FHC, fechou em R$ 18,2 bilhões (valores atualizados). Ano passado as despesas de custeio da Esplanada ficaram em R$ 17,6 bilhões.

Uma pena que a divulgação desses números não seja acompanhada da diferença de valores do orçamento que cada conjunto de ministérios teve em cada uma dessas gestões. Voltaremos ao assunto em texto próprio.

Isso esclarecido, voltemos às analogias históricas. Assim como a França de Luís XII, parece que o PT esqueceu-se de algumas lições importantes. Não ouviu os clamores dos habitantes destas terras e ainda permitiu que “estrangeiros” se instalassem nos nichos do poder, e se fortalecessem.

Michel Temer, Dilma Rousseff e Lula.
Michel Temer, Dilma Rousseff e Lula.

Os exemplos têm estampado as capas dos jornais: Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, tem ignorado a presidente Dilma e foge do diálogo; Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, tergiversa sobre as necessidades do governo e até mesmo age de maneira contrária; Michel Temer (PMDB-SP), vice-presidente da República, não tem feito muitos “esforços” para manter a coesão.

Se alguém acha estranho a falta de apoio do PMDB nas passeatas de ontem a favor de Dilma, veja quem a sucede em caso de impedimento (Constituição Federal do Brasil, 1988, arts. 79 e 80):

“Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente. (…)
Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.”

Traduzindo para o momento atual, temos a seguinte hierarquia de posse em caso de impeachment da presidente:

  • Primeiro – Michel Temer – PMDB
  • Segundo – Eduardo Cunha – PMDB
  • Terceiro – Renan Calheiros – PMDB

Dilma, o PT, ou ambos, se veem reféns dessas alianças mal-costuradas. No afã de manter o poder a qualquer custo, olvidaram as lições de Maquiavel, e os reveses de Luís XII…

E o que vemos hoje é um partido enfraquecido e sem capacidade de governar. A conclusão é dada pelo próprio Maquiavel (O Príncipe, MAQUIAVEL, 2010, cap. III): “(…) quando alguém é causa do poder de outrem, arruína-se, pois aquele poder vem de astúcia ou força, e qualquer destas é suspeita ao novo poderoso.”

A história pode nos fornecer lições valiosas.

Para saber mais:
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe e Escritos Políticos. Tradução de Livio Xavier. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.
Nápoles – http://bit.ly/19fRiXN
Veneza – http://bit.ly/1Bbtl9w
Lombardia – http://bit.ly/1BB2TtD
Milão – http://bit.ly/1wWjtmB
Romanha – http://bit.ly/18h1Tk7
A Itália de Maquiavel – http://bit.ly/1GElINs
Papa Alexandre VI – http://bit.ly/1EemIoY
PMDB, onde sempre esteve – http://bit.ly/1xkjJZN
Afinal, o PMDB cansou de ser aliado do PT no governo? – http://abr.ai/1FYzESx
Shogunato Akamura – http://bit.ly/1MAHcPd
Constituição Federal do Brasil – http://bit.ly/1bJYlGL

Créditos da imagem:
PT x PMDB – http://bit.ly/1BB1bZa
Nicolau Maquiavel – http://bit.ly/Q6byRo
Entrada real de Luís XII em Genova, Itália – http://bit.ly/19gXajm
Poder – http://bit.ly/1MBbuzw
PT e PMDB – http://bit.ly/1EkSjYA
Temer, Dilma e Lula – http://bit.ly/18He75q

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